A vida cristã não significa apenas “aceitar Jesus”, reconhecendo-o como Salvador; e admitir a verdade dos fatos do cristianismo. Isso não será suficiente para fazer de você um cristão genuíno. Frequentemente nos evangelhos, os demônios (espíritos imundos) reconheciam a divindade de Cristo. Entretanto, eles reagiam com forte violência, paralisia, convulsões, loucura, mutismo, gritaria inarticulada, medo ou até mesmo clamando por misericórdia (Mt 8.31, Mc 7.26-29, Lc 4.33-35, 9.42).
Citando uma dessas ocasiões no Evangelho de Marcos, capítulo 9, Martin Lloyd-Jones1 descreve Jesus descendo o Monte da transfiguração, encontrando seus discípulos rodeados por uma multidão, discutindo e argumentando acerca do apuro dos discípulos para tentar libertar um menino endemoninhado. A maioria de nós conhece esse texto. A criança possuída por um espírito imundo desde a infância era jogada no fogo e na água para sofrer. Diante de Jesus, o espírito se manifesta no menino com convulsões, caindo por terra e espumando. Jesus expulsa o demônio, além de curar e restaurar a saúde do garoto. Mas o que acontece logo depois é importantíssimo: os discípulos perguntam em particular para Jesus por que não conseguiram expulsar tal demônio. Jesus lhes responde: “este tipo de casta somente sai com jejum e oração”.

O “doutor” (como era conhecido Lloyd-Jones) um dos expositores bíblicos mais argutos de todos os tempos, ao aplicar esse texto para a igreja Inglesa utilizou uma figura de linguagem que nós não gostamos: alegoria (neste caso, parece estar correto). Os discípulos simbolizavam a igreja e o menino representa o mundo moderno. Para o pregador inglês, Jesus apresentou uma perfeita representação da condição atual: a Igreja está falhando por que a “casta” contemporânea demoníaca que nos possui é complexa. Para Jones, a igreja cristã precisa aprender a expulsar esse tipo de casta do mundo. Sua descrição do mundo, 50 anos atrás, parece ser ainda muito atual: “Nós não somos somente confrontados pelo materialismo, mundanismo, indiferença, endurecimento e frieza – mas estamos ouvindo mais e mais […] sobre certas manifestações dos poderes do mal e da realidade dos espíritos malignos. Não é meramente pecado que constitui o problema de nosso país hoje. Existe um recrudescimento da magia negra e da adoração demoníaca e os poderes das trevas […] e das muitas coisas que isso influencia. É por isso que eu creio que estamos numa urgente necessidade da manifestação da demonstração do poder do Espírito Santo”.2

Lloyd-Jones não achava que os cristãos estavam conscientes da profundidade do problema espiritual enfrentado. Ele estava realmente preocupado com a igreja! A não ser que, individualmente tenhamos uma séria preocupação com a igreja, seremos cristãos muito medíocres, dizia ele. Ele via uma grande diferença entre a igreja no século 20 e a igreja que precedeu os períodos de avivamento, de 200-300 anos antes. Naquele tempo, apesar da igreja se encontrar num estado de apatia, eles aceitavam Deus como realidade absoluta. O povo aceitava a Bíblia com o livro de Deus e reconheciam que eram pecadores. A igreja precisava apenas colocar fogo neles com o entusiasmo da pregação e da intensa oração. Campanhas evangelísticas e programas especiais eram suficientes para despertar a Igreja. Mas a casta de demônios de 300 anos atrás deles não seria diferente do espírito nos tempos presentes? Certamente sim.

Lloyd-Jones era alguém à frente de seu tempo, na vanguarda teológica. Ele já estava percebendo mudanças drásticas na Europa pós-guerra e fez análises preliminares e aprofundadas daquilo que iríamos presenciar nas últimas décadas: a noção de Deus se diluindo, se esvaindo, o certo e errado desaparecendo, o relativismo influenciando o cristianismo, a verdade se flexibilizando, a Bíblia não sendo mais vista plenamente como Palavra de Deus, o universalismo ressuscitando, o neoliberalismo envenenando as escolas teológicas, a justificação pela morte de Cristo sendo negligenciada, sua deidade negada e assim por diante. Seu desapontamento com a qualidade e capacidade da igreja ser relevante cresceu mais e mais. Sua ênfase na necessidade de um avivamento bíblico e vigoroso era grande. Para ele, avivamento é um milagre, algo que somente pode ser explicado como uma intervenção de Deus. Homens podem produzir campanhas evangelísticas, mas nunca produzirão avivamentos. Avivamento, para Lloyd-Jones, era um tipo de demonstração de poder que autenticaria a verdade do evangelho num mundo desesperadamente endurecido. Basicamente avivamento era a conversão que ocorria a um grupo de pessoas.3


1 Martin Lloyd-Jones, Revival, Crossway Books, 1987, 1o capítulo. Ele foi chamado do último pregador Calvinista Metodista, pois combinava o amor de Calvino pela verdade e doutrina reformada ao fogo e paixão do avivamento metodista do século 18. Lloyd-Jones ocupou o pulpit da Westminster Chapel em Londres por 30 anos.

2 The Sovereign Spirit containing twenty-four sermons preached between November 15, 1964 and June 6, 1965, page 25 ).

3 Martyn Lloyd-Jones, Revival, (Westchester, IL: Crossway Books, 1987), pp. 111-112.