É incontestável que nossa jornada neste mundo seja constantemente confrontada com certas questões: Existe um Deus? A vida tem rumo e faz sentido? Será que o universo é um lugar logicamente planejado e organizado, ou é, no fundo, algo basicamente caótico? Haverá um final, um The End para a história? O bem prevalecerá sobre o mal? Haverá uma prestação de contas com relação à justiça e à ética, tendo em vista que os balancetes não fecham neste mundo? Afinal, existe um plano para cada um de nós? Com que padrão de moralidade devemos viver o dia a dia? De uma perspectiva existencial, ninguém pode ser neutro diante dessas questões. O mundo não é composto por pessoas religiosas e não religiosas. Todo ser humano é religioso. Eles apenas têm diferentes deuses e cosmovisões, respondendo às situações no mundo de diferentes maneiras. Nesse sentido, o humanismo, o secularismo, o socialismo, o comunismo, assim por diante, interpretam religiosamente o mundo com tanta confiança e convicção como o cristianismo, o judaísmo, o espiritismo e o islamismo.

  1. S. Lewis[1] lidou com essas questões em profundidade. Ele viveu como ateu até os 30 anos de idade, experimentando a descrença, que chamava de saudade inconsolável. “Você precisa me visualizar sozinho naquele quarto em Magdalen College”, disse Lewis, “noite após noite, sempre que minha mente se afastava, mesmo que por um segundo, do meu trabalho, sentia a firme e constante aproximação daquele quem eu desejava tão determinadamente não encontrar, aquele que eu temia imensamente já ter vindo sobre mim”. Deus transpôs o ateísmo de Lewis na primavera de 1929: “eu desisti, e admiti que Deus era Deus, e me ajoelhei e orei: talvez, naquela noite, o mais deprimido e relutante converso de toda a Inglaterra. Quem poderia corretamente adorar aquele amor que abrirá os portões eternos para o pródigo que é trazido brigando, esperneando, ressentido, olhando para todos os lados à procura de uma chance de escape?”[2] Aquele não foi o final da luta, mas o começo da jornada. Dois anos depois, ele escreveu para seu amigo Artur: “Eu acabei de passar do crer em Deus para crer em Cristo – no cristianismo. A Grande Estória realmente é verdadeira. Deus realmente enviou o seu Filho. Ele realmente morreu por nossos pecados. Nós realmente podemos ter o perdão e a vida eterna na presença daquele para o qual toda a Alegria está apontada.”[3]

Certa ocasião, testemunhando a respeito de sua própria conversão descrita acima, C.S. Lewis afirmou o seguinte:O mundo não consiste de cristãos 100% e de não-cristãos 100% . Há pessoas (a grande maioria deles) que estão lentamente deixando de ser cristãos, mas ainda se chamam daquele nome: alguns deles são clérigos. Há outras pessoas que estão lentamente se tornando cristãs, mas ainda não se chamam assim”.[4] Essa também tem sido minha experiência ao conversar com as pessoas e contemplar as igrejas nos dias de hoje: gente procurando caminhar 75% com Jesus, ouvir 50% do evangelho, 40% interessados, abertos para 30% dos valores do Reino de Deus; batizados, mas ainda não 100% salvos, buscando conhecer somente um pouco mais, crescendo com uma fé light e desnatada. Os templos estão repletos de meio (½) cristãos, semi-cristãos não-praticantes, pseudo-cristãos, gente que está vagarosamente se descristianizando, se secularizando. A visão de Deus está na periferia de suas vidas. No centro encontram-se as celebridades da mídia, dinheiro, o consumismo do Shopping Center, as parafernálias eletrônicas, as redes sociais, amigos e amantes, o campeonato de futebol, gastronomia e outros semi-deuses do coração.
Nos tempos modernos é uma prática comum se referir às pessoas de fé simplesmente como crentes e fé meramente como crença. No entanto, se igualarmos fé e crença, abriremos a porta para vários problemas. Jesus faz referência às pessoas que professam sua fé nele, realizando atos de fé em seu nome, mas que, apesar dessas ações, não participam de um relacionamento saudável com Deus. “Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus. Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? e em teu nome não expulsamos demônios? e em teu nome não fizemos muitos milagres? Então lhes direi claramente: Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade.” (Mt 7.21-23). Esse verso demonstra que uma pessoa pode ter crenças verdadeiras sobre Deus, pode até mesmo exibir uma forte confiança nele, e ainda assim ser um absoluto canalha ou mandrião. Embora eles usem o nome de Jesus ao orar a Deus e realizem obras que considerem serem boas, no entanto, Jesus não considera suas ações como atos de serviço; e as rejeita como atos virtuosos de fé. Por quê? Pode haver inúmeros argumentos que expliquem a rejeição sofrida por eles, no entanto, a principal, sem dúvida, é a falta da fé verdadeira em Deus, através de Cristo.[5]


 
[1] Professor de Literatura Inglesa em Oxford e Cambridge, poeta e escritor de livros infantis, dentre os quais estão As Crônicas de Nárnia.
[2] C. S. Lewis, Surprised by Joy, pp. 228-229.
[3] “I have just passed on from believing in God to definitely believing in Christ—in Christianity.”. The Collected Letters of C. S. Lewis, vol. I Family Letters 1905-1931, ed. Walter Hooper (San Francisco: Harper San Francisco, 2004), p. 974.
[4] “The world does not consist of 100 per cent Christians and 100 per cent non-Christians. There are people (a great many of them) who are slowly ceasing to be Christians but they still call themselves by that name: some of them are clergymen. There are other people who are slowly becoming Christians though they do not yet call themselves so.”
[5] Nicola Abaggnano (2007, p.501) afirma que “enquanto a crença [religiosa], em geral, é o compromisso com uma noção qualquer, a fé é o compromisso que se considera revelada ou testemunhada pela divindade”.